sexta-feira, 4 de novembro de 2011

Nem tudo se pode ver, ouvir ou dizer.

Um músico me escreve contando que pertence a uma grande orquestra, mas não tem prazer no trabalho por causa dos colegas. Não suporta o despotismo, a vaidade, a prepotência, a arrogância e a mania de grandeza de alguns.
O convívio com “egos inflados” é demasiadamente penoso, e ele me pergunta o que fazer.
Eu, que sempre faço a apologia do ato generoso da escuta, sugiro ao músico que faça ouvidos moucos. Lembro que ele tem o privilégio de escutar sons mais sutis e sabe ouvir o silêncio.
Não precisa dar ouvidos ao que não interessa.
Inclusive porque egos inflados estão em toda parte e a luta contra eles não leva a nada.
Evitar a luta de prestígio é um bem que nós fazemos a nós e aos outros.
Para viver, nem tudo nós podemos ver, escutar ou dizer. Isso é representado, desde a antiguidade, pelos três macacos da sabedoria.
Cada um cobre uma parte diferente do rosto com as mãos.
O primeiro cobre os olhos, o segundo as orelhas e o terceiro a boca. A representação é originária da china.
Foi introduzida no japão, no século VIII por um monge budista.
A máxima que ela implica é “não ver, não ouvir e não dizer nada de mau.”
Foi adotada por Gandhi, que levava sempre consigo os três macaquinhos, o cego, o surdo e o mudo – Mizaru, Kikazaru e Iwazaru.
Eles ensinam a não enxergar tudo o que vemos, não escutar tudo o que ouvimos e não dizer tudo o que sabemos. Noutras palavras, ensinam a selecionar e a conter-se. Isso é decisivo para uma atitude construtiva, mas não é fácil.
Somos impelidos a focalizar o que nos prejudica- impelidos por um gozo masoquista ao qual temos de nos opor continuamente. Só a consciência disso permite não sair do caminho em que a vida desabrocha.
Seleção e contenção tornam a existência mais fácil. Desde que não sejam um efeito da repressão, como na educação tradicional, e sim do desejo do sujeito – um desejo vital de se opor às forças do inconsciente que podem nos fazer mal. Isso implica a humildade de aceitar que o inconsciente existe e nós não somos donos de nós mesmos.
A idéia não é nova. Data da descoberta da psicanálise por Freud, no fim do século XIX, mas continua a ser ignorada porque é difícil nos livrarmos do ego.
Sobretudo numa sociedade como a nossa, que tanto valoriza, e que não condena a vaidade. A prepotência e a arrogância. Pelo contrário, estimula-as para se perpetuar.
*Betty Milan

“Seleção e contenção tornam a existência mais fácil quando vêm do desejo vital de se opor às forças do inconsciente que podem nos fazer mal.”

*Betty Milan é psicanalista e escritora ela assina a coluna consultório sentimental da revista veja.


                                      

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